Jodie Whittaker: É extraordinário ser a primeira Doutora

Entrevista exclusiva com Jodie Whittaker, a primeira Doutora de Doctor Who
Por Chrissy Iley, The Times UK
Fotos: Pip

A matéria a seguir foi traduzida da versão online do jornal The Times, da Inglaterra.

Quando encontrei Jodie Whittaker, ela estava vestida toda de preto. Blusa preta, jeans preto e botas pretas. Simples e prática. O encontro foi na biblioteca do Charlotte Street Hotel, no centro de Londres. Um local tão aconchegante que fez eu me sentir levando uma pantera para um chá em uma casa de boneca. Ela tem uma forte presença. Jodie é uma mulher de Yorkshire com os pés no chão e uma firmeza intimidante.

Na famosa série policial Broadchurch, sua personagem foi classificada como a mulher mais aterrorizada da TV britânica (seu filho foi assassinado por um amigo da família), mas ela nunca foi dramática, nunca foi uma vítima. Há muito pouco da “mulher sedutora” nela, e mesmo assim, com seus olhos imensos e lábios volumosos, seus traços representam todas as mulheres capazes de fazer qualquer coisa – inclusive interpretar a primeira versão feminina do Doutor.

Em dezembro, ela estreou no especial de Natal como a 13ª Doutora após a regeneração de Peter Capaldi. O papel já está sendo um divisor de águas. Apesar de ser considerada a personagem mais atormentada da TV, ela raramente era reconhecida pelo público. Agora as pessoas vão até ela no supermercado e pedem selfies. Ela lida animada com essa nova fama, desde que não seja nada muito invasivo. “O público tem sido adorável. Na outra semana, em Cardiff, percebi um jovem tomando coragem para vir conversar comigo. Cheguei perto dele e disse: ‘Você está bem, colega?’ Então percebi que o fiz ganhar o dia e isso me faz muito bem. As pessoas são adoráveis, mas sou muito discreta, o que é possível desde que você se atenha a certas coisas. Ainda posso pegar o metrô, mas terei que começar a usar um chapéu.”

Jodie Whittaker em Broadchurch, série da ITV, onde atuou com David Tennant.

 

Assumir o papel principal na série da BBC gera uma grande repercussão na carreira. “Realmente tive sorte. Doctor Who definitivamente me coloca em uma posição na qual, se eu for a um evento, provavelmente nem precisarei contar o que fiz nos últimos meses.”

Ela tinha um código para falar sobre Doctor Who com sua família antes do papel ser anunciado. “Era o ‘Clooney’. Meu marido e eu consideramos George um ícone. E nós pensamos, qual seria um nome icônico famoso? Ele combinou perfeitamente.”

Apesar de assumir um papel tão impressionante, ela se divertiu com a ideia de trabalhar em uma série que já existia antes dela nascer: “É maravilhoso e estou amando isso. Minha família não tinha o hábito de assistir, exceto quando estávamos na casa de outras pessoas. Entretanto, fiquei muito mais a par da série quando ela voltou com Christopher Eccleston, David Tennant (com quem trabalhou em Broadchurch) e Matt Smith”.

Ela se sentiu intimidada quando fez o teste para o papel? “Não”, responde sorrindo. “Eu fui para a audição animada, mas sempre entro na sala com uma atitude de: Eu falo assim, a minha aparência é esta, mas acredite, eu posso fazer isso”.

Ela não hesita na hora de revelar quem é seu Doutor favorito: “David (Tennant), claro, porque o conheço. Acho que ele foi incrível. Mas não há certo ou errado, não há regras”.

Como é interpretar a primeira Doutora: “É completamente extraordinário; como atriz, como mulher, como feminista, como ser humano, como alguém que quer sempre se superar e não ser moldada pelo que dizem que você pode ou não pode ser. Eu quero pedir para os fãs não se assustarem com meu gênero, porque este é um momento muito emocionante e Doctor Who representa tudo o que é fascinante sobre mudança. Os fãs já experimentaram tantas mudanças e essa é apenas mais uma, diferente das outras, mas nada a se temer”.

Os Doutores tendiam a se aproximar muito de suas companions, muitas vezes com um toque de romance. Você terá companion homem ou mulher? “Eu terei três companions, dois homens e uma mulher. Todos com diferentes idades”. Mas haverá romance? “Estou aqui há apenas três semanas, ainda não sei as respostas de muitas perguntas”.

Whittaker, 35, parece nunca ter saído de Yorkshire, embora viva em Londres desde a escola de teatro onde conheceu seu marido, Christian Contreras, ator e escritor. Ela também passa um tempo em Los Angeles. “Não a trabalho”, enfatiza. “Apenas porque meu marido é dos Estados Unidos e ele trabalha lá com frequência.” Suas raízes ficam evidentes em suas escolhas de palavras. Ela diz que às vezes é rabugenta e tem que se lembrar de pensar: “O que eu com 10 anos faria? Não reclamaria de estar congelando ou algo assim. Aproveitaria tudo ao máximo, então pare de reclamar. Eu não sou tão chata assim. Se eu estiver incomodada, as pessoas saberão. Se eu estiver chateada, vou chorar, e se eu estiver feliz, estarei verdadeiramente feliz. Eu não tenho um filtro ou um rosto indiferente. Contudo, estranhamente, sei fazer isso no trabalho. Se você precisar que eu seja alguém que eu não sou, eu consigo me transformar”. Ela ri – com uma risada verdadeira.

The Doctor (JODIE WHITTAKER) – (C) BBC – Photographer: Steve Schofield

 

O seu primeiro filme depois da escola de teatro foi Venus, com Peter O’Toole. Ela tinha 24 anos. “Passei uma coletiva de imprensa inteira tentando convencer as pessoas de que o diretor não tinha me encontrado em um ponto de ônibus brigando com um colega. Ele me descobriu através do meu agente. Eu saí cedo da escola de teatro porque participei da última temporada do Mark Rylance no Shakespeare Globe em 2005. Eu terminei a peça no Globe em setembro e comecei Venus em novembro. Eu tinha uma mente ingênua, mas útil. A mentalidade era ‘Esse lance de atuar é divertido, não é?’, ao invés de uma mente cheia de trauma e rejeição.”

Sobre seus pais, ela diz: “Fui criada em um lar no qual você era valorizado pelo que poderia fazer e onde nunca sentiria vergonha das coisas pelas quais lutou. Não houve cobranças em minha criação para que conseguisse um emprego adequado. Ninguém me disse que o que eu queria fazer era ridículo ou fora da realidade. Atuar não era uma tradição na família, então você pode imaginar de onde veio essa criatura brilhante. “Ninguém atuava na família, nada, existia apenas o amor pelo cinema. Mesmo sendo muito nova para assistir Tubarão, eu assisti – e amei ser apresentada ao Spielberg e às aventuras cinematográficas”. Ela cita “Quanto mais quente melhor” como um filme inspirador de sua infância. “Devo ter visto cerca de 500 vezes quando era jovem.” Queria ser Marilyn Monroe? “Acho que queria ser Jack Lemmon – Gostava da jornada do personagem. Foi fenomenal”. Ela é provavelmente a única mulher que conheci que podia assistir a esse filme e se identificar com um homem que se veste de mulher.

Em seu último filme, Journeyman, ela interpreta a esposa de um boxeador que sofre uma grave lesão na cabeça durante uma luta. Não é no estilo Rocky – não há triunfo sobre a tragédia – é mais uma busca pela sobrevivência. Muitos dos temas, mesmo para os padrões Whittaker, são “angustiantes” e ela achou algumas das filmagens “torturantes”. Sobre a força de sua personagem, ela diz: “É diferente de mim. Ela é uma força graciosa, elegante. Ela era muito mais forte do que eu poderia ser”. Paddy Considine, que dirigiu e escreveu Journeyman, também interpreta Matty, o boxeador.

“O que foi totalmente novo para mim foi ser dirigida por alguém que estava em cena comigo e que também havia escrito a história. Eu me perguntava, ‘Quando for minha cena, ele estará nela ou atrás do monitor?’. Ele estava lá. Eu estava um pouco preocupada com isso. Parece bobeira, mas atores não questionam outros atores. É uma questão de respeito, por isso pensei que seria estranho ele dizendo: ‘Não faça isso, faça aquilo’, mas ele não dirige dessa forma, então foi ótimo.”

Com o marido, Christian Contreras.

Ela disse que nunca quis dirigir. “Não tenho visão. Eu nunca quis ser uma escritora porque não quero ficar em um cômodo sozinha. Eu não sei as respostas, tampouco tenho uma visão geral, mas não me importo de ter alguém me dizendo ‘Isso não funciona, por que você não faz assim?’”. Ela ama ser parte de um time. “Cresci jogando squash, hockey e rounders (esporte que originou o baseball), mas não netball (uma espécie de basquete) porque eu não aguentava ficar parada. Eu gosto de observar as equipes nas Olimpíadas – todos agem individualmente, mas só funciona porque estão todos unidos ali. Adoro me relacionar com diretores e outros atores. Doctor Who é muito colaborativo – é um trabalho muito empolgante.”

Pouco antes do Natal, uma foto de sua roupa em Doctor Who foi liberada. Ela é bem engenhosa. É possível identificar nela a herança dos Doutores anteriores, sem deixar de ter sua própria identidade – há uma camiseta com listras em arco-íris, que remete aos cachecóis multicoloridos, uma calça azul petróleo com suspensórios e vários brincos nas formas de estrelas e planetas. Nos dias seguintes ao lançamento da roupa, as mídias sociais debateram incansavelmente os significados da nova roupa.

Após a divulgação das diferenças salariais entre homens e mulheres da BBC, Whittaker revelou que havia lutado para ser paga da mesma forma que os Senhores do Tempo anteriores. Ela deve ganhar entre £200,000 e £249,999, o mesmo salário que Peter Capaldi recebia, de acordo com o relatório anual da BBC do ano passado. Naquele momento, Whittaker disse: “É um momento incrivelmente importante e a igualdade salarial é um pensamento que deveria ser apoiado – é um pouco chocante que isso seja uma surpresa para todos”.

Ela evitou se envolver no debate online – não postou no Twitter, no Instagram ou no Facebook. “Não quero saber o que as pessoas pensam sobre mim. Às vezes, quando estou muito empolgada, sinto vontade de dar minha opinião, mas talvez por argumentar muito, eu poderia acabar dizendo algo ofensivo.”

Isso significa que ela perdeu todas as postagens sobre o anúncio de Doctor Who, incluindo a que perguntou “Quem precisa de uma Tardis cheia de sutiãs?”. “Bem, eu perdi essas coisas. Quem precisa de uma Tardis cheia de sutiãs?” Ela ri.

Journeyman estreia 30 de março (no Reino Unido). E Doctor Who retorna no outono (do hemisfério norte, primavera no Brasil).

Fonte: The Times

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